segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

POEMINHA DE AMOR

Cadê você morena?
Donde anda tu, muié?
Foge de onde passa os meu pé
Mais vive me zoiando pronde vou.
Ói que eu posso endoidá muié
Já que tu num sabe o que qué
E eu já nem mais sei quem sou.

Ói que eu sofro um tanto assim muié
Sofro qui nem um beija-frô sem frô
Um samba-canção sem dor
Um São João sem cantador.

Oi que eu posso inté morrê, muié
E tenho medo inté de perder a fé
Pois de tanto rezá pra Nosso Senhor,
Já perdi as conta de quantas missa vô.

Mais se eu pedisse pra Virge Maria
Me valer nessa hora sofrida
Era inté capais de rezá umas mil aves-maria
Só pra ter o seu amor.

Onde tá tu morena?
Por que se esconde assim?
Ói que eu endoido de tanto penar
Ói que eu desterro de tanto te amar.
Vê se vem me alegrá muié
E deixa teus pensamento eu enfeitá
Com tudo o que eu tenho e posso te amar.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

NO ABSURDO

A miséria do mundo me assusta
Me desampara
A miséria dos homens me arvora
E desacata

Qualquer autoridade



Que será das filosofias
Mitos, deuses,
Se cada noite fria
Mil morrem de hipotermia
E outras sete mil de idolatrias?

Que será do meu espelho,
Meus livros, força
Se a cada ser que vejo
Fragmenta-se incontinenti algum desejo
E nada resta a não seu um beijo.



A riqueza do mundo me assusta
Me desampara
A riqueza dos homens me assola
Mas não desacata

Não há autoridade no absurdo!

APENAS UM SONETO DE QUALQUER SOLIDÃO

Se nada me dissesse, mesmo assim eu saberia
Se do infinito partiu sem me dar notícia
Nas asas de um destino qualquer, ou qualquer via
De pranto raso ou lágrima de uma vã alegria.

E se caminho por entre vales e por entre rios
Ando sozinho, por mim mesmo, com os meus brios
Nenhuma palavra me deixa quiçá menos sombrio
Nem tampouco alegre, nem triste, só mais mesquinho.

E sonso vou, por entre esse Brasil afora
A longes vales na imensidão do agora
Caminhando por mim mesmo e o mar

Mas se me puderem algum dia resgatar,
De minhas mágoas, me socorram ao luar,
E me ensinem se é possível de novo amar...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O PRINCÍPIO DE REGÊNCIA

para Marcelo Andrade


SER

ANOTADOR
(A)NOTADOR
A(NOT)ADOR
ANOTA(DOR)

(A)(NOTA)(DOR)


DA VIDA.



... e Freud estava certo quanto aos mecanismos de defesa...

domingo, 3 de janeiro de 2010

A PONTE

Quem vê além dos seus olhos
senão aquele que não vê a si
quando diante de alguém
e não vê o alguém quando tenta olhar pra si?

Quem ouve além dos seus ouvidos
senão aquele que soa em música a sua voz
pra alegrar a quem ouvir
e não deixar-se desmentir
quando falam pra si?

Quem é que penetra noutro mundo
senão aquele que esquece do seu mundo
na procura de ser uno
com o mundo em que habita?

Quem ao menos pode ser
o intérprete do viver...

Puro ser que luzidia
o próprio ser.

MÃOS NEGRAS

Lembrando de Joaquim Nabuco e Lupcínio Rodrigues.
Que esperam os homens brancos
Sair do céu por ser escuro
Viajar num luzidio minuto
E cair no inferno com seus santos
À procura de luz?

Que quer a vida julgar-se mais
Se somos filhos de Zumbi
Neste engenho-novo, aqui
Preso à lembranças feito animais?
e o corpo misto em cruz.

Quem são estes desgraçados
Se a pele branca é a vergonha
A cismar que nunca sonha
Yin e yang entrelaçados
Em torrente ondas paz?

E tu, homens de mão negras
Renuncias tua voz,
O teu cantar,
O teu amar?
o ir e vir renunciais
Para teres só a vida?

Somos escravos já libertos
O sol convida-me amar
Batuque triste sobre o mar
Releiam-me os mais inquietos
E dancemos a sons bantus.


Seus orixás gritam escândalo
À beleza dessa dor
Que me invade com amor
Meu coração de padre vândalo
Ou seria Satanás?

E vista ao longe suas mãos
Negritude da mãe, o leite
Rasgando-lha ao grão deleite
Homem branco, chora não
Seu filho há de salvar!

QUANDO ESTAMOS APAIXONADOS

O amor
Abandona-nos a nós mesmos
Inverna e queima
A última quimera
De desejos.
Teu beijo.

O amor
Contagia-nos sem firmamento
Primavera a solidão
De espelhos.
Te vejo.

O amor
Que anteontem era dor
Felicidade escondida em derredor
Transubstancia-se agora em flor.

O amor
Encontra-nos a nós mesmos
Outona e grita
Algo que imita
O sorriso
De amor.

A PAZ

Não quero a paz dos sonetos
Dos avós de seus pais nem os netos
Hierárquica como um tratado de paz.

Não a quero expulsa dos templos
Espaços escassos de tempo
Egoísta e inliberta de ais.

Eu quero o paz dos soldados
De tiranos inumes tarados
Fractada de esperança audaz.

Quero a paz indevida
Aquela que enche a vida de Vida
E os corações de volúpia voraz.

Quero a paz predestina
Zênite de langor, clandestina
Produto da massa consumista e sarcaz.

Eu quero a paz curativa
Não curetiva dos prazeres da vida
Estorva, soberba, mas paz.

A paz intransitiva.
Esmola do mundo
Loquaz.

CORTEJO FÚNEBRE DO PEDREIRO

Um pedreiro morreu à bala.
Só o comerciante viu.
Fechou o bar às 10 da noite,
chegou em casa às 10 e 15,
telefonou pra PM e contou.

A polícia foi e prendeu o matador
que era traficante no Morro do Cantador.

Como um rei para os seus
saiu às lágrimas e resmungos plebeus.

A polícia foi e matou o matador
e o povo se indignou.

Botou fogo no bonde
Botou fogo no bar
Botou fogo no fogo

Botou fogo na droga e fumou.

Noutro dia saiu com faixas
de que a polícia foi quem matou.
Veio sogra agradecida,
vizinha que conhecia a tia,
Jornal Nacional e curioso chegou.

A moça do jornal escreveu
e o povo leu e esqueceu.
E tudo se moderou quando a noite chegou.

O povo do morro elegeu novo rei
e o tráfico continuou.
A polícia continuou.
O fogo continuou.
E as mortes continuaram
mesmo depois que as pessoas passaram
no cortejo fúnebre do pedreiro
que nem túmulo de tijolo tinha.

O jornal
amarrou as margaridas que enfeitavam o caixão.

BANDEIRA NACIONAL

A moça do xampu para secos e danificados reflete o verde da bandeira
Nacional.

Alguns pés calçados descobrem-na
Feito um pássaro liberto de sua gaiola.
Criança que ainda não anda,
Criança que nunca mais cansa
Quando pés descalços já a pisava.
Ambições de uma Europa toda ao mar
Com seus navios e castiçais
Armas prum tratado de paz
Ah! bem fizeram os canibais!

Chovia no descobrimento, uma chuvinha miudinha,
Mas choveu primeiro na cabeça dos portugueses.
O Brasil é um país chuvoso.
Chove-se muito em nossa terra
E é por isso que ela é verde.

Enquanto a pele de suor oleoso que desaparece à água fulgura-se ao amarelo
Amarelo tão vivo quanto um prato de farofa com dendê
Numa esquina.

Vivemos ainda no Império
Dos Estados Unidos do Brasil.
Uma república de estudantes que jamais
Catequizar-se-ão.
Limpam as narinas nas batinas negras sem contudo baterem nelas.
“É dando que se recebe”.
Sejam eles os juízes de nossa vontade
Arbitrarizando-nos como padres, lindos.

Louca poesia rouca. Anti-ética. Técnica, manufaturada.
Linguagem pop-buarque hermética num tijolo parnaso-trovadoresco, porem barroco, que do interior do Rio Amazonas grita:
-- Tropicalizemo-nos cristão.zera a reza com afoxés de Talebãs. Anti USAfeganistãos!

E meu medo é neutro.

Íon sociopolítico. Quantum cultural.
Universalismo do niilismo.
Ismo e istmos e, no entanto um riso.

Antropofagismo. Tabagismo. Cafeísmo
“E bananas pra der e vender “

Oswald usava sedas das Índias.
Comi-o.

Há maconha nos crucifixos das casas pobres. Fé pobre é tão mais bela.
Gays apóiam FHC num terreiro de candomblé no Rio Grande do Sul
E um baiano reza pra menina rica noutro em São Paulo.
Bethânia e Joplin
Caetano e Cobain.
Vinícius e Tina Turner
E João Paulo II

A escola é a mesma há 500 anos
Quer catequizar. Nunca o fomos nem o seremos.
Eles vem com suas bíblias e a gente finge que acredita e de repente eles internalizam nossa confusão. Viva a Umbanda!
Anchi-Etas nas praias negras de UbaCuba
Querendo mandar os indiozinhos tomarem no cu
Mas com um sorriso matriarcal que nos faz apaixonar.

Índios tomando Coca Cola
Importação da consciência enlatada
Superfície.
Sândalos de escândalos.
Vomitei-o (Ferreira Gullar)

A lembrança (nunca dantes lembrada) do Tietê na cabeça o Velho Chico
O azul da bandeira.
Quando na pinguela pichado o nosso lema em cor de rosa:
Amor e Paz. Progresso da desordem.
Boiando bosta.
as cidades se unem pelo esgoto
pessoas pelo gosto. Estrelares palavrões:
Pindamonhangaba.

Um índio preto aportuguesado comendo americanos
Comama-nus cruz. Vomitemos azuis



“Mas do fundo da mata virgem nasceu Ney Matogrosso, herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite”.