sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

DISCURSO DE FORMATURA

aos meus amigos de faculdade

Meus amigos, pais, professores....

... enfim, acabou.
acabaram os tortuosos esforços de muitos, muitos sonhos,
de encontros, desencontros, infindáveis momentos juntos
de prantos, companheirismos, solidões... e de risos...

acabaram as provas
tão nossas provas de cada dia que enfrentávamos com valentia
e, mesmo diante do desespero, o olhar de acolhida no fim do dia
do amigo, tão perdido entre um abraço e uma apostila...

... as saidinhas rapidinhas
pra uma cerveja ou vinho, nas adegas, castelinhos, rapidinhos
que (re)criávamos por lugares dos mais lindos por estarmos juntos
como se fosse possível, na nossa alegria, eternizarmos os segundos...

...enfim, acabou.
acabaram as “chocalhadas de cabeça”, da Carlota que conseguimos entender!
o Conrado “explicando pra nos confundir, nos confundindo para esclarecer...”
as aulas da Beth, provas da Alda, Cristina, os carinhos de todos, enfim...

pode ser até,
que não mais sentiremos o sabor diferente que tinham as torradas,
dos cafés, no íntimo de nossa sala, que comemorávamos..o nada
doces cafés, em que nos servíamos de pura e vã alegria...

e, como não se lembrar,
das cismas uns com os outros, as briguinhas, seguidas de desculpas
que vez em quando vinham nos fazer companhia no cansaço dos dias
e que agora, transformam-se em motivos de risos, abraços e alegrias

... acabaram os estágios
em que éramos, quase sempre explorados
e, no entanto, no fundo, adorávamos!

... e os 27 de agosto na praça
que era bom mesmo pelas fotos que tirávamos
reveladas tão dentro de nós...

... os atendimentos,
cada gota de lágrima compreendida de um lamento
de nossos pacientes-amigos que nos ensinavam a todo momento
a sermos nós, nos outros e neles nos vermos...

... enfim, acabou.
acabaram as supervisões, relatórios, fichamentos
(e, que a Anelise que não ouça esse despeito:
mandemos a ABNT para longe de nós, com todo respeito!)

... que queremos ficar hoje só com as boas lições...
não dos textos, que importantes que sejam,
mas dos encontros...

nem das teorias, tão necessárias,
mas das possibilidades de sonhos

nem tampouco do título que conquistamos: psicólogos
mas do que dele em nós, de nós, revelamos.

... e revelamos bons companheiros
que acreditam na vida, na saúde e no ser humano
que mesmo em face de tantos descontentamentos
continuam a ter esperança na felicidade de qualquer momento...

... que acreditam nas possibilidades de encantos
utopias ativas ou descaminhos permeados de encontros
e, se jardineiros que somos,
seguiremos descobrindo sempre novos jardins nos outros
para neles recolhermos as sementes de vida prá plantarmos em nós mesmos

enfim, acabou!
e agora estamos aqui, do outro lado do espelho
e, se como dizem: todo fim é um recomeço,
o que eu realmente desejo é que a eles todos olhemos

pais, professores, amigos... a todos os que amamos
e com voz forte, lhes digamos:


... enfim, acabou..... mas nós estamos apenas começando...

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011



um riacho escorre-me
              nas ranhuras da pele
e uma imensidão de mar
             esvai-me
na luz do infinito
             do pensar



e eu sou luz e fogo
drama e som
para além de todas as imensidades
há sempre um clarão
             mão e pão!

ENCRUZAMENTOS




pontos de encontros
nas linhas de fuga.

fumaças de salvamentos
abelhas levando o pólen
                      ao vento
olhares nos cruzamentos.
 

MINHA POESIA

   
I

minha poesia é cafuza
ou se quiser mulata
ou se quiser mameluca
ou se quiser híbrida
ou se quiser sopa
ou se quiser dialeto
ou se quiser esquizo
ou se quiser umbandista

em minha poesia cabem todos os sincretismos
todas as indiferenciações
incompreensões
realizações
produções
ações

fora de minha poesia pairam todos os barulhos
todos os silêncios
dentro de minha poesia ramificam-se os organismos
e seus duodenos

   
pães-de-açúcar, londres, sampa, tóquio, luanda, roma, cuzco, madrid, assunción, natal, berlin, salvador, lisboa, cabul, hiroshima, new orleans, hanói, caracas,
e limoeiro do norte

  
minha poesia é doce
ou se quiser amarga
ou se quiser fogo
ou se quiser água
ou se quiser noite
ou se quiser dia
ou se quiser encanteria

ações
produções
realizações
dissimulações
incompreensões
todas as indiferenciações
em minha poesia cabem todos os sincretismos.





II

blocos de sujeira formam a minha poesia
- para além de toda qualquer beleza –
eu quero uma poesia suja,
                                           marginal
                                               divina

que causa vertigem
que cheira mal
que provoque vomito




que caminha rumo ao nada
uma poesia que caminha rumo ao nada, para dele partir
                                                   e criar novos jardins.

   

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011


Pranto Livre (Dida e Everaldo da Viola)




uma gota de lágrima num poema . uma gota de sangue numa lágrima . gota de choro . se quem não teve amor nunca sofreu . sofro e amo como um ateu . no breu .
 elza cantando e só eu . tão meu . pranto meu

VOZES

há infiltração
há infiltração no meu telhado
há infiltração em meu dente
há infiltração em minha parede
há infiltração em meu pulmão

pinga na minha testa
              enquanto durmo
incha meu rosto todo
              e pareço um monstro
mofam meus livros na estante
              todas as metafísicas
mata-me de pouco em pouco
             a minha vida

e não conhece espaço
              impermeável
espalha-se por entre quartos, livros, dentes e pulmões
enchente rápida, praga de pomares
essas vozes, esses vozes, essas vozes
que me entrecruzam feito inundação
enunciados de uma qualquer solidão
que formam o que eu sou e o mundo são


tantas vozes há em mim...

AGUACEIRO

água
guá, guá, guá
             tum
guá, guá, guá
             tum
guá, guá, guá
tum xigui dum
             tum tum



[ói o aguaceiro
ói o aguaceiro]

água
guá, guá, guá
             tum
guá, guá, guá
            tum
guá, guá, guá
tum xigui dum
         tum tum

NOVA

... para um amor que jaz escondido nos cantos dos medos dos olhos, há muito tempo...


entre você e eu,
um tempo estranho,
espaço desigual:
onde brincam os girassóis ao vento;
as crianças ante o crescer  - um tormento;
e os nós do destino.

entre você e eu,
neste espaço
infinitesimal
esconde um amor infantil
que teima por mostrar-se
mas que não deixamo-nos ver
por medo de medo de felicidades


    

SAMBAS DE ADEUS

I

eu, que por muito procurei teu colo, em abandono
eu, que gritei tantas vezes que foste um erro
e que me arrependo do anel em teu dedo
e em noites frias afastava o meu desejo em sono

hoje penso indeciso com meu arrependimento
sinto o doce fel cortar-me os brios, sua revanche
deves estar feliz, “a mesma moeda” – o seu lance
a pensar desconcertar meus sentimentos

erro foi, mas não me causas mais tormento
amor mal começado, em si, não faz mau tempo
não tem força sequer para uma exasperação

algum aprendizado sempre traz, alguma lição
sigo sonhando com outras moças, mas já não caio em vão
e se tu ris de ter me dado o troco.... sou eu que rio e digo: não!


II


se errei tanto
por tentar entender
os teus olhos nos meus
só me resta dizer adeus
e outras plagas correr
mas jamais deixar de errar
por tentar entender e rimar
alguns olhos aos meus
e quem sabe neste
vai-e-vem dessa busca
descobrir algum amor
e de este ser meu

A POESIA. A ESQUIZOANÁLISE

     

EI-(L)A

A POESIA,
A ESQUIZOANÁLISE



COMO PODERIA
EIS QUE DISSO AMAR-ME?



SE ME LHE SOARIA
TAL ESQUISITA ARTE

(L)EI-A


  

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

DEVIRES/REVIRES

o inenarrável
amarra
e, com suas garras
rabisca e rói
rente
às nádegas arreganhadas
da realização
e o ridículo
ruiva
na arrebentação
e se rompe o lacre
da revolução

irreparável
das reinvenções
 

a mercadoria
mercantilista
pulou                                  fora
e se esparramou no chão
fétida e crua
com suas enzimas
e seu almoço,
suas verdades
sem reembolso
          causando
um enorme alvoroço
quando alguém
           vomitou
co´a

mo – vi –men – ta – ção – da –a – ção

dos sonhos.
mas esse alguém se constrangeu quando alguém lhe olhou


           

POESIA ESPALHADA SOBRE SI MESMA (rhizome)

espalho-me
por entre os espaços vazios
da cultura
meto-me
onde não resta dúvidas
de alguma usura
preencho os espaços vazios
[todos eles]
e renasço em volta dos canteiros
em volta dos prédios
dos sonhos
e me intervalo.




contamino
qualquer feto-filiação e feitiços
da linguagem
e tiro onda
com todas as pretensas figuras-nomes das
linhagens
durmo em tocas
escondidinho
e na manhã seguinte eu despedaço
já sou o sol queimando
os corpos
aos quais instalo.




rastejo-me
pelos esgotos e lamas
das bandeiras
e consumido
me refugio no colo doce
das macumbeiras
depois eu sumo
produzo cores e novos fetos, numes e telefones
e anuncio
que estou porvindo


[no silêncio revolucionário dos olhares dos esquisitos]



sem dúvida,
eu não sei o que faço:
se sigo caminhando
passo a passo,
ou se passo.

não há contramão no absurdo.


    

sábado, 8 de janeiro de 2011

SAMBA PRA NÃO MORRER!

Eu sou só

um pobre mendigo

mulato, cafuzo, mané

com uma triste-alegria

do tamanho do peito do mundo

no ventre do seio que, inundo

rói-me por sair

teima por pixar

o muro



há um feto querendo sair

um samba querendo surgir

no eu-morro



ah! eu preciso urgente de um violão
para não morrer.

   

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

CORDEL DA HISTÓRIA DA EXPLORAÇÃO INFANTIL NO BRASIL (EM 7 ATOS)

(06/01/2011)
 











I



um indiozinho sobe com medo no navio
um, dois, três indiozinhos
nus
um deles fita o colar do capitão e faz
acenos com a mão em direção à terra
Pero Vaz de Caminha registra: “queria dizer-nos que havia ouro ali...”

e os 1200 portugueses fitam
o ouro dos corpos dos indiozinhos, a terra.

[e aí se descobre a exploração infantil no Brasil...]






II



a negrinha de peitos durinhos e
bunda rechonchuda que parece dançar

(...) porque os negros mesmo quando estão andando
naturalmente é como se dançassem (...)

perturba o sinhô...

na Casa- Grande
(bem distante de Xica da Silva)
o sinhô obriga a negrinha a tirar a roupa
a tirar os olhos
a tirar o filho
(co´as ervas de seu próprio orixá)
depois, quando vê sinhá
esquece da negra fulo
que chorando pro Pai João
canta: branco não tem coração!

a negrinha de peito durinho
e bunda rechonchuda parou de dançar
- tinha 13 anos -.

[... e neste momento se esconde a exploração infantil em nossa terra...]






III



7 de abril de 1831
D. Pedro abdica o trono
em favor de seu filho
Pedrinho
e some para os Portugais
para ser D. Pedro IV.

Pedrinho tinha 5 anos.

[nesse dia coroa-se a exploração infantil em solo brasileiro...].





IV



pobre
preto
o destino de Pixote

e uma mãozinha rouba a comida
o lugar ao colo
o respeito
o crack para se sentir vivo
e um peito de puta prá mamar

um chafariz
uma arma
um carrossel para brincar

no espelho dos olhos dos outros
o destino

[condenam-se os meninos explorados no Brasil].






V



Sem Nome vende bala num farol na Consolação.
Sem Nome?
não existe alguém Sem Nome.

[anula-se a exploração infantil no Brasil].






VI



[0800 2010 015]
e os cantores choram
não como a mãe
que visita o filho na Fundação
Casa
seu frango despedaçado
seu corpo humilhado

não como a criança-esperança dos sinais
as mocinhas grávidas e seus abortos a-temporais

no programa de televisão
os cantores choram
já como as mães
telenovelas.

[consome-se a exploração infantil no Brasil].







VII



“papai me manda um balão
e põe todas as crianças
que tem lá no céu...
tem doce, papai
tem doce, papai
tem doce lá no jardim”
há mais saúde nos terreiros de candomblé
nas festas de Cosme e Damião
que nos programas sociais brasileiros
que na psicologia
que na poesia

as crianças são.
... e quem não respeita o exu-mirim?
linhas de fuga .

[mas no intimo do povo há cuidado para as crianças exploradas do Brasil].


           

ÉTICA!




eu,
com meu ethos
e meu pathos

você,
com seu
pato no espeto.

logos,
pensamos, somos iguais!