quarta-feira, 30 de março de 2011

DENGUE


o zumbido
do mosquito
atrapalha o Brasil
esfarrapa o Brasil
amordaça o Brasil



 
o zumbido
do mosquito
envergonha o Brasil
entontece o Brasil
enfraquece o Brasil



o zumbido
do mosquito
desmascara o Brasil
desfigura o Brasil
delibera o Brasil



o Brasil
essa plaga de água paradas
esse doce criadouro de larvas
essa febre que não passa
essa falta de educação
essa exclusão, corrupção



          [essa epidemia a cada verão]



são seus poetas azumzear
Brasil sil sil sil sil sil sil sil




terça-feira, 29 de março de 2011

ENTREMUNDO

 


Nos entremundos de mim
há muitos vazios.
Alguns poucos sombrios,
outros, de sereno desalinho,
e, de resto, muitos, de sorrisos.
Nesses entremundos
não há espaço para verdades concretas
nem metafísicas ilusões.
Há só escuridão
e sussurros.

Nos entremundos de mim
há uma esperançazinha acovardada
que me teima em seguir avante
mesmo que não haja adiante,
mesmo que seja só por algum instante.
Não há descaminhos.
Só um ninho
tecido de pensamentos e brumas,
devaneios
e sonhos.

Os homens têm muita precisão de água
pra matar a sede, a sujeira e o tédio.
Eu tenho muita precisão de mim,
Pra não morrer.



Nos entremundos de mim
há muitos rostos enterrados,
há muitas rotas encobertas,
há poucos medos assustados.
E nesse vai-e-vem de caos de mundos
eu sigo, entre a beleza e a certeza.
Só. Nu. Encantado em minha delicadeza.
Poeira que sou de algum amor,
jardim em flor
e vento.



    

 Crescer dói.
     E dói fundo.

doce criança desse mundo
tão imundo
velho adulto desse sonho
tão esdrúxulo

     Crescer dói.
     Dói mais ter escrúpulos.


LADO A LADO

cheguei a engolir
a vida que há em ti

lambequei-me de ti
amei
e, de tanto amar

cuspi fora!

não cabe outra vida
dentro de mim

só ao meu lado.
só, e ao meu lado
só.



 
Durmo sempre
- sem dar conta -
com um pandeiro ao lado
de minha cama.
Quieto.
Silencioso.
E brando.
Para que
meus pensamentos sambem
no quieto da noite
enquanto durmo.

Sonhos de festa e dança
em algum sereno.

Se acaso acordo
- sem dar por isso -,
procuro em vão Morfeu,
e sossego-me
ao vê-lo
sambar tristíssimo
ao alvorecer.



Eita saudade que me batuca o peito!
Eita sonhos que me enlevam em samba!
Eita vida: estranho festejo!


LÁGRIMAS E FLORES

                  para Jorge Bichuetti

 
Escrevo poemas
como quem derrama lágrimas
e planta flores.
Ora, poetizar-se
é mesmo um choro de horror, de amor
em um jardim pleno de esplendor.

Sim, meus poemas
são pétalas e lágrimas
estendendo sobre meu povo,
mas não para enfeitar as casas
ou para entristecer as gentes.
Serve para, humildemente
cheirar e asserenar-se.
E, se o permitirem
lágrima aguar semente
pensamento tornar-se mente
inventar outros modos de sentires, à frente.
Aos poetas restam o oco dos sonhos
para enxertá-los de margaridas e lírios
restam ainda a fome dos meninos
e o abandono em suas mãos.

Escrevo poemas
como quem derrama lágrimas
e planta flores.
Ora, poetizar-se
não é mesmo um choro de horror, de amor
em um jardim pleno de esplendor?


       

CARÍCIA

carícia

toque

carícia

morte

carícia

fome

carícia

choque

carícia

love
love
love



a carícia fundamental do
homem




segunda-feira, 21 de março de 2011

POETA

 


Quero ser poeta dos pobres
dos travestis
dos vagabundos.

Quero que minha poesia
alimente os pedreiros nas construções
alivie o enjôo das mocinhas nas conduções.

Quero que minha poesia
esteja escrita nos postes onde mijam os cães
onde trepam os desvalidos para roubarem as ligações elétricas...

Quero que minha poesia
refresque a goela nos dias de praia
esteja no espaço eterno dos olhos dos namorados.

Quero que minha poesia
seja um guarda-chuva, ou seja a chuva
seja a erva que se espalha sobre o jardim, seja o jardim.

Quero ser poeta dos doentes
dos aflitos,
dos drogados.

Quero que minha poesia
seja semente que esparrama algum pecado
converse com espíritos, magos e retardados

Quero ser poeta dos ricos
dos pobres,
dos travestis
e dos trabalhadores.

Uma poesia que rasteje nos campos,
vagueie incólume pelos enunciados
e invente novas vidas, novos rumos.


 

BURACO NEGRO

meus
olhos saltam pelo vento
e atropelem o vento
a árvore e alguma luz.
saliva o leite
sonho de yemanjá.
cheira o ocre
dos meninos nos sinais
toda a história
lambem o ventre
das freiras
e auxiliam os japoneses
minhas sardas pixam quadros
e muros
orbitas e sertões
meus
olhos saltam pelo vento
e me agradam pelo
que não conheço.
ouço o desconhecido
respiro uma outra luz
e invento

nova vida.

ROSTILIDADE

existem rostos aqui
rotos
como as paredes dos edifícios
e os paralelepípedos da canção de chico,
ao qual me edifico
e me paraliso.

enumeram-se
seios sinuosos
e florestas imensas de areais
parabólicas sobre os jornais
e algum jardim
extraterrestres,
espirituais.

e eu me viro
sumo
somo
insumo que sou desta
névoa que sou eu
no mundo
en-saio.

tantas palavras me formam,
informam
enforcam
e eu continuo a enamorar-me delas
encantar-me com elas e me perder.

eu continuo nadando,
mar que sou
no meu interior,
de leve
sereníssimo
como a brisa e o amor.

AMORZIM, DE LONGE


 
Há uma escuridãozinha
no meu peito.
Fico borocochô,
o mundo sem cor.


céu azul, passa tempo,
folha, passarim,
passa, passa...passou


Longe surge uma flor
e uma candeia no meu peito.

...

Arre, devagar com o andor...
chega sambando não, menina!
deixa eu antes sonhar, sonhador!



choveu
o dia todo
e cada gota
inundou
minha alma.
chama
multifacetada
no oceano
sem fim
de mim

         respingou um poeminha!



quarta-feira, 9 de março de 2011

DESCONSIDERE
O ATROZ

RECONSIDERE
O ATRÁS


CONSIDERE
A PAZ


ATRÁS
DO ATROZ
HÁ A PAZ.


e a vida?
a vida é feita
de bons encontros, festa e sonhos.

e se pintar dor?
algum abandono?
eu misturo as cores
        e invento outros quadros

Quadro de Romero Brito.

AMOR

sinto-te
quando no meio da noite
descalço minhas meias
e espreguiço meus pés
          às cobertas.

sinto-te
quando te olho sem ver-me
e na distância dos sonhos
entre meu olhar e teu abandono
          reconheço-me.

o amor deve ser assim:
tátil e delirante,
como cobertas e sonhos
          aquecendo algum abandono.


  

terça-feira, 1 de março de 2011

AVÔO


eu passava.
passarim que sou,
voava.
entoava uma canção de amor,
u´a toada.
mais nada.
nadica de nada arfava.
só a coceira no pescoço.
agonia nas pernas paradas.

eita tempo mais borocochô!
tempo de estar sem frô.
sem amor.

passarim que sou,
me vou.

____ Vixe, Avoou!




SOLIDÃO



 

a solidão
folha caída de alguma vida


lânguida face de vão amor
a solidão


O GUARDA NOTURNO

Passa o guarda noturno
Sem se dar conta
Que guarda o sono do mundo.

Por que apita o guarda noturno?
Pra despertar-nos dos sonhos imundos,
Ou por inveja de sermos uníssonos?

Pobre guarda noturno
Apita porque lho pagamos
E avisar-nos, enquanto dormimos,
Que estamos à salvo do mundo.

Será que sonha o guarda noturno?
Quem guarda o sono do guarda noturno?

 

MINHA INSÔNIA

minha insônia
me encanta
e me en-cama
como o sexo
como o parto

o orgasmo
e o salto, o grito e o feto.
algum sorriso.


minha insônia
me encanta
e me es-cama
como o sono
como o sonho

a poesia
a escrita, o silêncio, as brumas
e algum sorriso.


eu, meu poemas, meus pernilongos
meus pensamentos esquisitos
             enquanto dorme o Brasil e meu povo sofrido.


SURFEURS DIALOGUE PHILOSOPHIQUE

(poema construído com Conrado Sathler)
(para Conrado Sathler)

____    Deleuze então, veio! .... ops, desculpa... Beleuza, então!
____    Não precisa pedir desculpas,
              eu não foucault triste!


 

o passado
passa
          arrastado
enquanto


o futuro
empurra
          atrasado
alguma
lembrança

do agora
pela vida
          afora





se os pássaros não puderem mais voar
e os arranha-céus encobrirem as cores do luar

se as promessas de amores já não mais forem possíveis
e se o infinito da saudade um dia tiver fim

se os casacos em tardes frias não mais esquentarem
e nem mais existirem abelhas para levarem o pólen

se as mães e pais, pela morte, se nos abandonarem
e se a chuva não mais puder nos banhar, por sujas

e se deus se transformar em níqueis esbranquiçados
e as janelas já não mais se abrirem na alvorada

se a fome de arte e justiça perpetuar no estômago
e se não houver mais hóstias e risos para matar a fome

se os cigarros e as bebidas não nos fizerem vivenciar a vida
e os carros não mais diminuírem as distancias dos sonos

e se o mar não mais tiver a função de nos limpar a aura
e as cadeias continuarem a dizimar fetos em demônios

se se acabarem com os jardins e as cachoeiras
se as crianças não mais puderem chorar quando nascerem


produzamos outros jardins,
          com nossos braços de elefantes
                   e nossos sonhos de correntezas